Arlindo
Tadeu Barreto Montanha de Andrade, também conhecido como Palhaço de Deus, teve
uma juventude controversa, mas uma velhice abençoada. Certa vez, uma plateia de
oitenta pessoas o aguardava, ansiosa, na favela Beira-Mar, em Duque de Caxias,
no Rio. Ele foi mocinho de novela das seis na Globo, palhaço Bozo no SBT, galã
de novela das oito na Bandeirantes, maquiador, dublador de desenho animado,
malabarista de circo, diretor de cinema, trapezista, domador de leões, ator de
teatro infantil e de filmes pornográficos. Fora das artes, foi surfista,
coroinha e tentou ser médico, psicólogo, biólogo e vereador. Desafiou a
reencarnação ao viver muitas vidas até que, há vinte anos, virou evangélico e
tornou-se o pastor Arlindo.
De microfone em punho, entrou aos
pulos no fundo da Igreja Presbiteriana Parque Beira-Mar e anunciou:
– Glória a Deus, Aleluia! Música,
maestro.
Começou a música e o pastor-palhaço
interrompeu:
– Não essa, maestro. É a música
número um.
O sonoplasta botou outra música:
“Sorria, é tempo de sorrir. Sorria”. Vestindo calça e paletó de cetim azul
degradê, suspensório, sapato de bico largo, gravata-borboleta vermelha, cabelo
de algodão e cartola azul, o pastor Arlindo cantou junto. No espetáculo, cada
truque de mágica serve de ilustração para uma mensagem bíblica. O palhaço disse
que muitas pessoas acham a palavra de Deus “sacal”, mas ela não é. Ele abriu
uma Bíblia e saltou uma flor colorida. “Um universo mágico explode diante de
nossos olhos quando conhecemos a palavra de Deus”, ele disse. Um garotinho no
fundo da plateia estava inquieto na cadeira. O pastor se aborreceu: “Ei,
menino! Quando um palhaço fala, o outro cala a boca”. Exatamente como Bolsonaro
faz.
Mais adiante, anunciou: “Deus opera
milagres. Assim como transforma água em vinho, transformou um viciado em um
homem de Deus, me libertou da maconha, da cocaína e do álcool”. Ele jogou um
líquido transparente num copo d’água e a água virou groselha. Plateia em
silêncio. “Uma salva de palmas para Jesus!”, conclamou. Aplausos tímidos. O
palhaço explicou: “Nós somos como um copo vazio. Mas, se bebermos a palavra de
Deus, ela nos transforma”. Em seguida, derramou a groselha num copo vazio e o
líquido se transformou de novo em água.
Arlindo
Barreto é filho da atriz Márcia de Windsor que começou a carreira como vedete e
foi jurada de televisão até o final dos anos 70 (só dava nota 10). Márcia era
amiga da atriz e musa do Pasquim Leila Diniz, que morreu
jovem, em 1972, num desastre de avião. Leila era desbocada e liberada. Certa
vez, ela tomava banho na casa de Márcia quando Arlindo e seu irmão Gilberto
descobriram uma brecha por onde podiam espiá-la nua. Ela percebeu que estava
sendo observada e disse a Arlindo, que não tinha mais de 12 anos: “Que é isso?
Não precisa se esconder, não, Arlindinho. Estamos aí. Vem aqui, se você tem
coragem”. O menino deu no pé.
Era a hora de engolir a espada. Na
primeira tentativa, o “Palhaço de Deus” a empurrou contra a língua, dando a
impressão de engoli-la, mas a espada emperrou e não se retraiu, como deveria
acontecer. Para ganhar tempo, ele anunciou à Congregação Batista da Favela
Jardim Fontalis, na periferia paulistana: “Não façam esse truque em casa, é
muito perigoso”. Virou-se de lado e tentou novamente. A espada entortou em vez
de encolher, aos trancos foi sumindo na boca do palhaço, mas parou no meio. O
pastor recolheu a espada e desistiu. A mensagem seria: “A palavra de Deus
penetra dentro de nós”. Não penetrou. Arlindo torceu para que ninguém fizesse a
ilação herética.
Para não dar tempo a raciocínios
ímpios, sacou imediatamente um lenço vermelho e o fez desaparecer. “Deus
elimina as angústias e pecados de quem tem fé”, disse. Tentou acender a ponta
de um bastão com isqueiro, mas a chama não saiu. Perguntou se alguém da platéia
tinha fogo. Negativo. Pulou essa parte. De um copinho de plástico, assoprou
bolhinhas de sabão: “As palavras humanas saem de nosso coração como bolhas ao
vento”.
Em
1981, o SBT havia comprado os direitos de uso do personagem Bozo. O primeiro
ator escolhido teve problemas pessoais e a emissora teve que escolher outro
intérprete. Para se precaver, a rede de Silvio Santos decidiu contratar dois
atores, que se revezariam na função do palhaço. No teste de elenco, o próprio
dono da marca, o americano Larry Harmon, veio ao Brasil para escolher os
atores. Arlindo trabalhava na linha de shows do SBT e conhecia o pessoal do
estúdio onde era feito o teste. Ficou fulo ao ver o mau humor e a impaciência
com que o americano tratava os palhaços veteranos que eram testados. Do lado de
fora, só se ouviam os gritos do diretor: “No, no! Stop. Next!“, “Go
on! Shit! Stop. Next!” Uma fila de palhaços cabisbaixos saía do estúdio.
Arlindo
tomou as dores dos colegas. O que o moveu era o sentimento pouco cristão de
vingança. Não tinha intenção de disputar a vaga. “Eu vou sacanear esse gringo”,
pensou. Entrou no figurino, pegou uma senha e aguardou a sua vez. O americano,
impassível, não se comovia com nenhum dos calejados velhinhos de circo. Arlindo
entrou no estúdio e, aos berros, em português, começou a gesticular e xingar o
diretor. Dizia obscenidades. A equipe atrás das câmeras riu às gargalhadas. O
americano, sem entender uma palavra, olhou em volta e ficou maravilhado. Achou que
havia descoberto o palhaço mais engraçado do Brasil. Arlindo foi imediatamente
contratado e mais tarde dividiu o personagem com Luis Ricardo Monteiro, palhaço
profissional e cantor, que trabalha até hoje no SBT. Ele se recusa a falar de
Arlindo. Nenhum dos dois tem saudade da época em que foram colegas. Era notória
a rivalidade entre eles.
Como
precisava aprender o ofício de palhaço para fazer o Bozo, Arlindo foi trabalhar
no Circo Vostok como “barreira”, uma espécie de assistente de picadeiro e
ajudante geral. Fazia dupla jornada entre o circo e a televisão. Havia um
contrato de sigilo com o SBT que não permitia que contasse que era o Bozo, e
ele morou três anos num trailer do circo. No início, lavava elefantes e
hipopótamos. Pagava aos artistas circenses para que lhe ensinassem trapézio,
malabarismo, mágica e arame. Conquistou experiência e respeito. Chegou a fazer
uma cena em que tomava banho dentro de um globo da morte, enquanto quatro
motocicletas giravam à sua volta. Comprou um filhote de leão para entrar na
jaula e aprender a domá-lo. Dizia no circo que estudava pela manhã e ia
escondido para o estúdio gravar o programa do Bozo. Anos depois, revelou sua
identidade secreta e chegou a gravar alguns programas no circo.
No
auge do sucesso como Bozo, seu filho mais velho, Diego, tinha 5 anos. O salário
de palhaço no SBT não era alto, mas o dinheiro ganho com merchandising
compensava. Numa ocasião, Arlindo, que via pouco Diego, quis fazer-lhe uma
surpresa. Chegou de madrugada com o presente mais caro que pôde comprar: um
carrinho importado com controle remoto. Acordou o filho com o presente, mas o
menino não se impressionou: “Pai, você é o único pai que brinca com todas as
crianças, menos comigo”. A frase entrou no cérebro do palhaço e não saiu mais.
Tempos
depois, separou-se e foi impedido de acompanhar a rotina escolar do filho.
Arlindo bolou um plano para se fazer presente: passou a enviar cartas para
Diego com regras de etiqueta, lições sobre conhecimentos gerais e conselhos
diversos, e sempre botava uma cédula de dinheiro nos envelopes. Depois, ligava
para tomar as lições por telefone. Seu método de educação à distância aliviava
sua consciência. Arlindo sempre soube ganhar dinheiro, e muito mais como
gastá-lo. Como Bozo, ganhou três discos de ouro e cinco troféus Imprensa. Em
sua melhor fase financeira, teve dois apartamentos em São Paulo, uma casa de
campo na Serra da Cantareira, um Alfa Romeo, um Escort conversível e uma moto
Kawasaki. Algumas vezes, alugou jatinho particular. Hoje, mora numa casa alugada
no interior de São Paulo e seu último apartamento na capital está à venda.
Arlindo
Barreto conta a sua história por meio de listas. A coleção de filmes, peças,
cursos, espetáculos, ex-mulheres e peripécias vividas por ele desmoraliza o bom
senso e a linearidade. Na família de sua mãe, pródiga em artistas e malucos de
todos os naipes, as notícias que chegavam de Arlindinho causavam espanto. Ele
sempre se superava. Quando se tornou pastor, a reação foi de ceticismo e
ironia. Sua tia Cássia ligou correndo para uma comadre:
– Loló, você não vai acreditar:
Arlindo virou pastor.
–Pastor alemão?
– Não, pastor evangélico.
– Meu Deus…
A entrada de Arlindo na igreja
evangélica se deu quando namorou Elisabete Locatelli, sua colega no SBT,
coordenadora de produção da linha de shows. Eles namoravam há pouco tempo
quando, no final de 1986, Arlindo soube, chocado, que ela era “crente”. Poucos
casais vinham de origens tão diferentes. Ele estava envolvido com álcool e
drogas. Na passagem do ano, uma plateia de milhares de pessoas o aguardava na
avenida Paulista, onde ele comandaria ao vivo pelo SBT a contagem regressiva
para a chegada de 1987. Tomado por uma, como ele diz, “angústia inexplicável”,
trancou-se na cobertura do apart-hotel onde vivia sozinho e tentou se suicidar.
Foi encontrado no banheiro, desmaiado e com um corte profundo no braço direito.
Perdeu muito sangue e foi internado.
Elisabete foi visitá-lo no hospital
e, penalizada com o tormento em que vivia o namorado, levou o pastor de sua
igreja para orar por ele. Em pouco tempo, Arlindo se recuperou e decidiu se
converter ao protestantismo. Passou por várias igrejas evangélicas antes de
optar pela Igreja Batista e, em 1991, foi ordenado pastor. Ele é um pastor
pouco convencional. É comum vê-lo chegar para uma apresentação com a camisa
estampada aberta no peito e uma capanga debaixo do braço. Tem um sorriso
escancarado e chacoalha a cabeça para todos os lados ao falar. Entusiasmado
consigo próprio, fala coisas diversas ao mesmo tempo e dá a impressão de que está
prestes a levantar voo. Com um milhão de histórias do passado e projetos para o
futuro, sua cabeça parece ferver. Em casa, o filho David o apelidou de
“febrão”. Vive no superlativo. Está sempre no comando da casa e decide tudo o
que os filhos devem fazer.
No
mesmo ano em que se ordenou pastor, Arlindo foi convidado a participar do
projeto “Tenda da Esperança”, uma iniciativa da Igreja Batista que consistia em
armar tendas de circo em cidades do Nordeste onde havia romeiros católicos. A
intenção era converter o rebanho alheio. Os batistas da Tenda perambularam por
Juazeiro do Norte e arredores, redutos de veneração do Padre Cícero. Durante o
dia, faziam assistência social, com aplicação de flúor, atendimento médico e
consultas psicológicas. À noite, promoviam cultos evangélicos. A Tenda durou
dois anos e converteu 919 almas. Em 1999, Arlindo coordenou o projeto “Barco
Luz do Tietê”. A bordo de um catamarã, um grupo de evangélicos visitava as
cidades ribeirinhas do Rio Tietê, em São Paulo. Faziam pregações, distribuíam
bíblias e ofereciam serviço médico, odontológico e até veterinário. Também
contavam com uma equipe de cabeleireiros e psicólogos. Davam cursos de corte e
costura e gestão ambiental. A base do barco ficava em Barra Bonita e eles
tinham apoio da prefeitura local.
No bairro Riachuelo, na Zona Norte
carioca, uma morena de olhos verdes veio receber o pastor na entrada da igreja
e disse:
– Pastor Arlindo! O senhor não vai se
lembrar de mim…
– E eu ia me esquecer de um mulherão desses? – respondeu o religioso.
Sob uma tenda de circo, ele era
aguardado por 200 pessoas na platéia, entre crianças e adultos. Na entrada,
havia uma mesa onde se vendia pizza, cachorro-quente, picolé, pudim e
refrigerante, tudo a 1 real. Numa salinha transformada em camarim improvisado,
Arlindo se maquiava com dificuldade: o calor era tamanho que ele não parava de
suar. Um compensado de madeira lhe servia de mesa. No chão, não tinha onde
pousar o pé, tantas eram as traquitanas espalhadas: quatro malas gigantes, uma
gaiola com uma pomba, meia dúzia de bambolês, uma bandeja de salgadinhos, uma
bateria de música, dois sacos com brinquedos, um mini fogão de plástico, uma
girafa de pelúcia e uma bicicleta. O cheiro de fritura entrava pela janela.
Ele
começou o show de mágica usando óculos de grau sobre o nariz de palhaço,
provocando risos involuntários. “Pegue o seu coração e declare sua fé em
Jesus”, disse. “Ele te liberta. O amor de Deus é invisível aos olhos, mas,
quando cremos nele, a força do Espírito Santo se manifesta.” Um balão vermelho
estourou e surgiu a pomba branca. “Palmas para Jesus!” O palhaço prosseguiu:
“Eu ganhei muito dinheiro, mas gastei tudo. Se vier à casa de Deus, e separar a
décima parte, Deus te dá dinheiro de volta, ele multiplica 100 vezes mais”. Pôs
uma moeda pequena no saco de pano e tirou uma moeda gigante. “Deus disse: ‘No
dia em que os homens me reconhecerem em seus corações, Eu farei desta terra um
grande país’.” Pegou um pano preto, revirou pelo avesso e surgiu a bandeira dos
Estados Unidos. Silêncio. Convocou as crianças para virem à frente e organizou
uma competição entre meninos e meninas. A igreja se transformou em um programa
de auditório, com torcidas e gritaria.
O palhaço-pastor foi recebido, no
início, com desconfiança pela comunidade evangélica. Arlindo foi chamado de
maluco, demônio e ingênuo, mas em pouco tempo passou a ser aceito por seus
novos pares. O pastor Oliveira de Araújo, presidente da Convenção Batista
Brasileira, dá o seu aval: “Pastor Arlindo faz com que as pessoas tenham maior
compreensão de Deus através de sua arte, que ele domina tão bem”. Convencido de
seu sucesso entre o rebanho evangélico e empolgado com suas próprias idéias,
Arlindo Barreto candidatou-se a vereador pelo Partido Social Liberal, PSL, em
2004, por São Paulo. Obteve apenas 500 votos e não se elegeu. Não se meteu mais
em política.
No ano seguinte, diplomou-se como
bacharel em teologia. Fez um curso por correspondência na Faculdade Filadélfia,
em João Pessoa, na Paraíba. O seu boletim mostra que foi um bom aluno: 10 em
escatologia e hermenêutica, 9,5 em hebraico, e 9 em grego e arqueologia
bíblica.
Juridicamente,
Arlindo Barreto não pode mais ser Bozo. Há seis meses, ele esteve nos Estados
Unidos e se reuniu com Larry Harmon, detentor dos direitos da marca Bozo.
Queria permissão para pregar fantasiado como o palhaço. O americano foi
inflexível. Além do preço proibitivo de 1 milhão de dólares anuais para o
licenciamento do personagem, Harmon não permitiu que a imagem de Bozo fosse
usada para fins religiosos. Assim, Arlindo se viu obrigado a criar um novo
personagem, “Mr. Clown”, mas ainda é conhecido nas comunidades evangélicas como
“Pastor Bozo”.
Arlindo
nasceu em Ilhéus, na Bahia, foi criado no Rio, viveu em São Paulo e há dois
anos mora em São José dos Campos. Está casado há vinte anos com Elisabete
Locatelli, com quem tem dois filhos: David, de 18 anos, e a adolescente Stacy
Lôyde, que acaba de gravar um CD de músicas gospel, Simplesmente Stacy.
O primogênito, Diego, tem 25 anos. Os três filhos, alternadamente,
contracenaram com o pai. Arlindo, que fez vasectomia, é colaborador do Lar
Batista de Crianças, um programa de estímulo à adoção infantil, sediado em São
Paulo. Lida com crianças em situação de risco e sua função é arrecadar recursos
financeiros para o projeto.
Ele
mora com a família numa casa de três quartos no Jardim Industrial, um bairro
popular de São José. Os únicos luxos da residência são dois aparelhos de
ginástica: uma esteira rolante e um step. Arlindo é pastor-presidente do
Ministério dos Artistas de Cristo e vive da venda dos CDs que produz,
coletâneas de músicas infantis e evangélicas, oferecidas a 15 reais nos locais
onde se apresenta. Ele não cobra pelas apresentações em igrejas, mas quem o
convida paga suas despesas e se compromete a vender previamente uma quantidade
mínima de CDs. Já se apresentou como palhaço de Deus em comunidades evangélicas
de brasileiros no Japão, Suíça, Canadá, Estados Unidos, Panamá, Inglaterra e
França. Planeja mudar-se, em janeiro, para a Flórida, onde será diretor do
Ministério das Artes na Primeira Igreja Batista Brasileira de Orlando.
Presidirá cultos vestido de palhaço e dará aulas de arte dramática, comunicação
em público e treinamento para os seminaristas da igreja. De mágica, ainda não.
No
domingo, 14 de outubro, às nove da manhã, Arlindo foi acordado pelo telefone.
Era o chamado de alguém que estava à sua espera na rodoviária. Pulou da cama e,
sem tirar o pijama azul de malha, pegou o carro e foi apanhar a visita. A porta
direita de seu Fiat Uno antigo só abre por fora e a janela esquerda não desce.
Como o tanque do carro estava na reserva, ele parou num posto e colocou
combustível. De pijama, saiu do carro para passar o cartão de débito e, mais
adiante, entrou numa padaria para comprar pão, presunto e queijo. Só botou uma
roupa mais apresentável às quatro da tarde, para ir até Tremembé, em São Paulo,
para dar seu show circense-evangélico. Como era perto, foi de carro. Quando o
compromisso é mais longe, viaja de ônibus e, raramente, de avião. No mês de
outubro, quando se comemora o Dia da Criança, a agenda de shows do pastor foi
de uma gincana frenética. Em 28 dias, fez vinte apresentações em dezenove
cidades de cinco estados. No Estádio Pinheirão, em Curitiba, sua plateia chegou
a 10 mil pessoas.
O
encerramento dos shows do Palhaço de Deus é feito com música solene. Em gestos
ensaiados, ele saca a cartola lentamente, solta a peruca e tira o nariz de
palhaço. “Seus papais e mamães me conheceram como o maior palhaço do mundo. E
eu troquei essa coroa pelo reino de Deus”, ele diz. Com um paninho na mão
direita, ele lambuza o rosto com óleo Johnson e remove a maquiagem enquanto
diz: “Eu tinha sucesso, dinheiro e fama. Eu representava uma alegria que eu
mesmo não sentia, que não passava de um sorriso pintado”. O que se vê então é
um homem calvo e de cara limpa. A música sobe, ele tira o paletó, abaixa os
suspensórios e encara o público com ar circunspecto. “Minha mãe morreu, me
afoguei na bebida, sofri um acidente e fui desenganado pelos médicos”, conta.
“Um pastor expulsou de mim uma legião de demônios e eu me curvei ao Senhor. Eu
me tornei um homem de Deus.”
Ainda
em outubro, o pastor Arlindo decidiu gravar uma mensagem póstuma, para ser ouvida
no dia do seu funeral. “Quando eu morrer, será uma grande comoção popular, um
estrondo emocional”, justificou. “Preciso gravar meu último pronunciamento ao
público. Tenho certeza de que ninguém vai ter coragem de falar no meu enterro.
Então, falo eu mesmo.”
Ele
telefonou para o amigo Gláucio Mello, que tem um estúdio de som em casa. Foi
nele que gravaram o CD de Stacy. Arlindo reservou um horário de gravação no fim
da tarde e não preparou o discurso por escrito. Queria falar de improviso. Ele
pretendia dizer: “Venham, meus amiguinhos, não tenham medo. Peguem em mim,
toquem em mim”.
Quer
ser enterrado com a fantasia de palhaço e um grande sorriso pintado no rosto,
ao som de uma marcha fúnebre. Só falta colocar a voz. “Adoro pregar em funeral,
é muito divertido”, ele disse. “Minha última frase será: ‘Fui!'”
Ao
chegar ao estúdio, o equipamento de gravação enguiçou e o pronunciamento
póstumo foi cancelado.
Extraído
do artigo: “Palhaço de Deus” de RAQUEL FREIRE ZANGRANDI do Jornal Folha do Piauí